"Não vamos referir a relevância de todos os predadores,
mas apenas de dois. Um, macroscópico e muito
conhecido, o lobo, e outro, mais ou menos microscópico
e absolutamente desconhecido da generalidade do
público, os mixomicetes.
Como qualquer predador, o lobo sempre foi
vilipendiado e inimizado pelos humanos, que o abatem
indiscriminadamente, colocando-o na situação de risco
de extinção. Como qualquer outro predador, os lobos
são extremamente úteis para o equilíbrio da
biodiversidade e dos ecossistemas naturais, que existem
no Globo Terrestre, a Gaiola onde vivemos, antes do
aparecimento da espécie humana, o animal mais
perigoso desta Ilha do Universo.
No início do século passado, foi decidido eliminar os
lobos do Parque de Yellowstone, o primeiro Parque
Nacional dos Estados Unidos. Isto porque os lobos não
só competiam com os caçadores desportivos que se
“divertiam” a caçar veados e outros mamíferos que
existiam nas áreas limítrofes do parque, como também
porque, por vezes, os lobos se aproveitavam dos
descuidos dos criadores do gado que pastava nas
cercanias do Parque Nacional. Assim, a partir de 1930,
deixaram de existir lobos no Parque de Yellowstone.
Então, a população de herbívoros, particularmente de
alces, aumentou exponencialmente, de tal modo que os
ecossistemas do parque sofreram uma drástica
modificação, particularmente os prados das margens
dos rios, que foram praticamente dizimados. Essa
erosão não só diminuiu a biodiversidade desses
ecossistemas marginais, como também a população de castores, sem o predador (lobo) aumentou de tal modo,
que derrubou as árvores e arbustos da floresta ripícola
que marginava o rio.
Com as margens dos rios desertificadas, a erosão
progrediu rapidamente, com arrastamento de solos nas
cheias sazonais, levando ao assoreamento dos rios, que
passaram a serpentear por áreas do parque onde nunca
tinham corrido, provocando, além da erosão, alterações
profundas nos ecossistemas do parque.
Depois disto, os lobos foram reintroduzidos, os
herbívoros deixaram de pastar nas margens dos rios por
estarem a descoberto e mais facilmente visualizados
pelos lobos, voltando a alimentarem-se abrigados na
floresta, que estava transformada num ecossistema
desequilibrado, onde até os ursos tinham já poucos
frutos, porque as plantas tinham crescido
demasiadamente ramificadas e, portanto, com poucos
frutos. Os ecossistemas das margens e da floresta
voltaram ao equilíbrio normal, os rios passaram ao leito
primitivo, sem inundações nem assoreamento drástico.
Enfim, o Parque Yellowstone recuperou do desastre
para que caminhava.
Em Portugal, os lobos foram quase aniquilados. Eu
ainda conheci lobos na serra da Estrela. Assim, os
javalis proliferaram de tal modo que, em 1996, foi
atropelado um próximo da entrada principal do
Hospital da Universidade de Coimbra; no dia 9 de
Janeiro de 2018, de madrugada, vi uma fêmea de javali
descendo a rua onde moro (R. Carolina Michaëllis), em
Coimbra, e no dia 18 de Agosto de 2017, alguns javalis
banharam-se na praia de Galapinhos (Setúbal); além
dos prejuízos que causam nos campos agrícolas. Nós,
em vez de procedermos de modo idêntico ao acontecido
no Yellowstone, resolvemos a questão aos tiros,
permitindo a caça temporária aos javalis.
Vamos, agora aos mixomicetes, que não são animais e,
como não são produtores de biomassa (não são verdes),
também não são plantas. São eucariotas, portanto, não
são bactérias nem vírus. Reproduzem-se por esporos,
mas não são plantas, pois não são produtores de
biomassa. Constituem um subfilo, os Mycetozoa, com
cerca de 1000 espécies. São seres microscópicos,
plasmodiais, que se deslocam como as amebas,
alimentam-se de microrganismos, como bactérias
(provavelmente também de vírus), leveduras e fungos.
As florestas são dos ecossistemas onde são mais
abundantes, quer na manta morta, quer na superfície
das plantas.
Costumo mostrá-los aos jovens quando vou às escolas
na minha actividade cívica ambiental. Mostro-os na
casca das árvores das florestas tropicais. Nestas
florestas, as árvores atingem 120 metros de altura.
Chamo à atenção dos alunos que uma árvore dessas
tem, na casca, milhares de mixomicetes. Quando se
deita abaixo uma árvore dessas, estamos a matar
também milhares de predadores de microrganismos. E
quando, além disso, destruímos também o ecossistema
florestal, estamos a libertar milhões de bactérias e vírus
que podem provocar novas doenças, como, por exemplo
aconteceu com a designada sida, que não existia quando
eu era jovem e que surgiu na região florestal do
Congo. Nessa altura culparam-se os símios, espalhando
que o vírus (HIV) tinha passado para a nossa espécie
através do contacto com símios dessa região. Poderá ter
sido assim, mas o vírus estava no corpo dos símios,
depois de se ter disseminado por falta dos predadores
(mixomicetes), que despareceram com o derrube da
floresta tropical da região. Também já houve quem
culpasse animais selvagens desta epidemia que nos
assola agora. Na China há um grande mercado de
animais selvagens para a alimentação e misticismo. A
explicação é, pois, a mesma e o único culpado é o Homo
sapeins L., que parece não ter nada de sapiens.
Neste momento, há apenas 20% das florestas que
existiam quando a nossa espécie surgiu neste Globo,
uma Gaiola que temos vindo a sujar e na qual temos
vindo a dizimar predadores de microrganismos, que
podem vir a ser agentes de novas enfermidades letais e
que não vamos poder controlar com tirinhos como
fizemos com os javalis, pois os microrganismos não se
vêem para os podermos dizimar a tiro.
De realçar que esta pandemia alastrou mais
rapidamente e tem sido mais letal nas regiões do Globo
mais poluídas e de maior concentração populacional
(China e Norte da Itália).
Estou imensamente apreensivo, pois quando esta
pandemia atingir (porque vai mesmo atingir) as
populações de todas as favelas americanas, africanas e
asiáticas, não vão conseguir controlá-la. Será o caos da
humanidade, tanto para pobres como para ricos, pois a
morte não se compra. É por isso que me incomodo com
empresários e políticos mais preocupados com os
problemas económico-financeiros do que com o
gravíssimo e rapidíssimo alastramento do coronavírus,
julgando que eles não serão atingidos. Apesar desta
lição, que ainda não acabou, continuo a ouvir justificar
que o aeroporto terá que ser no Montijo, por ser o local
economicamente mais favorável, sem olhar,
minimamente, para as consequências ambientais e para
o próximo desastre que aí vem, bem pior do que este, como alertou o filósofo José Gil: “Esta terrível
experiência que estamos a viver constitui apenas uma
antecipação, e um aviso, do que nos espera com as
alterações climáticas.” (in Público, Opinião, 02.04.2020)."